quarta-feira, 30 de maio de 2012


"Não somos apenas o que pensamos ser. Somos mais; somos também o que lembramos e aquilo de que nos esquecemos; somos as palavras que trocamos, os enganos que cometemos, os impulsos a que cedemos, sem querer." 
(S. Freud)



terça-feira, 29 de maio de 2012

Um pouquinho do Divã


 
"O que seria do mundo se todos fossem bem ajustados? Haveria um tédio sem fim". (Carl G. Jung)


O século XIX marca o advento de um saber que determina e produz um desmantelamento em relação às idéias que circulavam na época sobre a questão da sexualidade humana e das “pacientes nervosas”. Inaugura então uma explicação para a HISTERIA no campo da psicanálise, a fim de livrá-la das interpretações baseadas na religião ou apenas na simulação.
No entanto, as mulheres do século XXI, jovens, ricas, inteligentes e sociáveis, ainda sofrem do mesmo desejo insatisfeito de que sofriam as histéricas de outrora. A preocupação com o corpo, a falha frente ao ideal de perfeição, faz com que se apóiem em modernas ortopedias corporais, possíveis substitutos das paralisias, contraturas, cegueiras de antigamente. Enquanto a histérica de hoje continua à procura desse ideal de perfeição, tanto corporal quanto intelectual e emotivo - sua marca patente é a insatisfação, pois a histérica não corre atrás de seu desejo, mas visa um ideal, e por isso está sempre se queixando, tecendo justificativas para continuar naquele lugar de manter o outro idealizado - seu gozo continua como sempre em busca de reconhecimento, e na sua procura excessiva e contraditória, na sua tristeza mal compreendida, ela é criticada por uns e medicada por outros.
A partir de 1900, Freud substitui a idéia de que a histeria tinha em sua origem uma representação inconsciente, pela angústia provocada por uma fantasia inconsciente. A partir daí a histeria estava relacionada à angústia de castração, quando se coloca em jogo a possibilidade de um dano narcísico bastante significativo. Desta forma surge a possibilidade para o sujeito de se encontrar frente à angústia, fator decisivo para a estruturação da neurose. Isso fala da divisão do sujeito, a histeria mostra que o sujeito não é uma unidade, ele é cindido, é divido, e a sexualidade fala desse desencontro, dessa falha do sujeito que a histérica não quer saber por causa de seu sonho de idealização. A histérica precisa ocultar sua falha, para isso ressalta todo o resto, constituindo um jogo de ocultamento/superexposição. É nessa superexposição que ela "enche os olhos", próprios e alheios, não deixando brecha para que ocorra um encontro com a tão temida e angustiante falta. Essa lógica fálica nos diz de um terror ao desamparo, forma máxima do nada. Faz-se necessária, por uma questão de sobrevivência psíquica, a crença que alguém pode ter o falo, completude, forma máxima do tudo: essa é a busca da histérica, o tudo por terror ao nada.
Ao falar da histérica e de seu desejo insatisfeito, é importante não deixar de fazer aqui uma rápida referência à ANOREXIA, que é situada no quadro geral da histeria, pois esse é um sofrimento tipicamente histérico. O desejo da anoréxica, em geral mulheres jovens, é querer que a insatisfação esteja em toda parte, que só exista insatisfação, tanto da necessidade quanto do desejo. A anorexia consiste em dizer: “... Não, não quero comer para não me satisfazer, e não quero me satisfazer para ter certeza de que meu desejo permanecerá intacto”.
Portanto, a anorexia pode ser vista como um grito contra qualquer satisfação e uma obstinada manutenção do estado geral de insatisfação. Desta forma, percebemos que para a anoréxica, o que contraria o desejo é a satisfação ao nível da necessidade, é a invasão do sexual no orgânico, é uma forma radical do sujeito afirma seu desejo de comer nada.
Finalizando, podemos afirmar que a histérica vive inevitavelmente num estado latente de insatisfação, uma insatisfação que não se restringe unicamente ao registro sexual, mas que se estende para totalidade da vida, e que geralmente isto é feito de maneira dolorosa e sofrida. No entanto, a despeito desse sofrimento, a histérica agarra-se à sua insatisfação, porque esta lhe garante a inviolabilidade fundamental de seu ser. Quando mais insatisfeita ela é, mais protegida das ameaça de um gozo que para ela pode ser um risco de desintegração e loucura.
(Regina Fernandes)


sábado, 26 de maio de 2012

"Para Nietzsche, a arte é jogo, liberdade criadora, embriaguez e delírio, força afirmativa da vida; é " um estado de vigor animal", "uma exaltação do sentimento da vida e um estimulante da vida."
(Marilena Chaui, Convite a Filosofia, Editora Atica)

     
(Tarsila do Amaral)

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Don Juan e o "Ficar com"


É imensa a dificuldade da minha geração em compreender a lógica dos novos tempos, pois para nós os termos ficar e sair são antagônicos, entretanto atualmente eles têm exatamente o mesmo significado. Ficar com, ou sair com, significam a mesma coisa. São termos usados para designar a atitude de se relacionar sexualmente, sem nenhum compromisso de continuidade.
Essa nova modalidade de se expressar me reporta ao personagem Don Juan, do filme Don Juan de Marco, com Marlon Brando e Jonny Depp, escrito e dirigido por Jeremy Leven. Don Juan é um personagem literário, paradigma do eterno sedutor, tido como símbolo da libertinagem. A figura de Don Juan além dos romances foi também cultuada na música, em obras de Strauss e Mozart, este último com a ópera Don Giovanni, composta em 1787. Aparece ainda na obra de Molière, em Le Festin de Pierre, no poema satírico de Byron chamado simplesmente Don Juan, no drama de Bernard Shaw, chamado Man and Superman.
Podemos dizer que Don Juan assinala um padrão de personalidade caracterizado por uma pessoa narcísica, inescrupulosa, enamorada, amada e odiada, para quem vale tudo na conquista de uma mulher. Foucault enfatiza essa questão ao dizer que Don Juan arrebenta com as duas grandes regras da civilização ocidental, a lei da aliança e a lei do desejo fiel.

E qual seria a ligação entre o filme e a conduta social nos tempos modernos?
Poderíamos dizer que a característica principal seria uma forte compulsão para a sedução que reflete uma estrutura social e um comportamento específico. Don Juan se apresenta com uma personalidade que necessita seduzir o tempo todo, que aparentemente se enamora da pessoa difícil, mas uma vez conquistada, a abandona. As pessoas com esse traço não conseguem ficar apegados a uma pessoa determinada, partindo logo em busca de novas conquistas. O “ficar com” caracteriza também um relacionamento compulsivo para a sedução, que não implica obrigatoriamente em nenhuma combinação ou contrato prévio, que é fugaz devido à provisoriedade da união. Não há compromisso de continuidade porque, ao menor sinal de interesse de um dos envolvidos no sentido de continuar, a relação se desfaz e é evitada. Nessa nova modalidade de relacionamento não há envolvimento amoroso, não há cobrança de compromisso.
A diferença marcante entre os dois comportamentos pode ser entendida pela palavra conquista. Com Don Juan vemos a figura do “príncipe encantado”, o homem sedutor que vem arrebatar sua amada com promessas de amor eterno. Ele tem habilidade em perceber rapidamente os gostos e franquezas de suas vítimas e, é igualmente rápido em atender as mais diversas expectativas.
Já o “ficar com..." não implica numa verdadeira conquista, pois é apenas uma afinidade recíproca, um não conquista o outro porque ambos estão, decididamente, com o mesmo objetivo em mente. “Ficar com” implica em essência e caracteristicamente, na ausência de sentimentos mais profundos de ambas as partes.
(Regina Fernandes)

terça-feira, 22 de maio de 2012


É preciso que imaginem as botinas... para que vocês comecem a ver as botinas de Van Gogh viverem, adquirirem vida em sua incomensurável qualidade de belo"....
(Jacques Lacan - A Ética da Psicanálise)                                

                                             As Botas - Vincent Van Gogh

domingo, 20 de maio de 2012

Os embaixadores, de Holbein.


Lacan no quadro Os embaixadores, de Holbein, aponta para um estranho objeto alongado no chão,que vem a ser um crânio deformado que somente pode ser enxergado quando o quadro é olhado de viés, pelo lado esquerdo. Lacan aponta , "no quadro sempre se manifesta algo do olhar” e que o pintor busca “a seleção de um certo modo de olhar". " A arte se caracteriza por um certo modo de organização em torno do vazio" ..." Toda forma de sublimação o vazio será determinante."
(Lacan, A Ética da Psicanálise)