terça-feira, 29 de maio de 2012

Um pouquinho do Divã


 
"O que seria do mundo se todos fossem bem ajustados? Haveria um tédio sem fim". (Carl G. Jung)


O século XIX marca o advento de um saber que determina e produz um desmantelamento em relação às idéias que circulavam na época sobre a questão da sexualidade humana e das “pacientes nervosas”. Inaugura então uma explicação para a HISTERIA no campo da psicanálise, a fim de livrá-la das interpretações baseadas na religião ou apenas na simulação.
No entanto, as mulheres do século XXI, jovens, ricas, inteligentes e sociáveis, ainda sofrem do mesmo desejo insatisfeito de que sofriam as histéricas de outrora. A preocupação com o corpo, a falha frente ao ideal de perfeição, faz com que se apóiem em modernas ortopedias corporais, possíveis substitutos das paralisias, contraturas, cegueiras de antigamente. Enquanto a histérica de hoje continua à procura desse ideal de perfeição, tanto corporal quanto intelectual e emotivo - sua marca patente é a insatisfação, pois a histérica não corre atrás de seu desejo, mas visa um ideal, e por isso está sempre se queixando, tecendo justificativas para continuar naquele lugar de manter o outro idealizado - seu gozo continua como sempre em busca de reconhecimento, e na sua procura excessiva e contraditória, na sua tristeza mal compreendida, ela é criticada por uns e medicada por outros.
A partir de 1900, Freud substitui a idéia de que a histeria tinha em sua origem uma representação inconsciente, pela angústia provocada por uma fantasia inconsciente. A partir daí a histeria estava relacionada à angústia de castração, quando se coloca em jogo a possibilidade de um dano narcísico bastante significativo. Desta forma surge a possibilidade para o sujeito de se encontrar frente à angústia, fator decisivo para a estruturação da neurose. Isso fala da divisão do sujeito, a histeria mostra que o sujeito não é uma unidade, ele é cindido, é divido, e a sexualidade fala desse desencontro, dessa falha do sujeito que a histérica não quer saber por causa de seu sonho de idealização. A histérica precisa ocultar sua falha, para isso ressalta todo o resto, constituindo um jogo de ocultamento/superexposição. É nessa superexposição que ela "enche os olhos", próprios e alheios, não deixando brecha para que ocorra um encontro com a tão temida e angustiante falta. Essa lógica fálica nos diz de um terror ao desamparo, forma máxima do nada. Faz-se necessária, por uma questão de sobrevivência psíquica, a crença que alguém pode ter o falo, completude, forma máxima do tudo: essa é a busca da histérica, o tudo por terror ao nada.
Ao falar da histérica e de seu desejo insatisfeito, é importante não deixar de fazer aqui uma rápida referência à ANOREXIA, que é situada no quadro geral da histeria, pois esse é um sofrimento tipicamente histérico. O desejo da anoréxica, em geral mulheres jovens, é querer que a insatisfação esteja em toda parte, que só exista insatisfação, tanto da necessidade quanto do desejo. A anorexia consiste em dizer: “... Não, não quero comer para não me satisfazer, e não quero me satisfazer para ter certeza de que meu desejo permanecerá intacto”.
Portanto, a anorexia pode ser vista como um grito contra qualquer satisfação e uma obstinada manutenção do estado geral de insatisfação. Desta forma, percebemos que para a anoréxica, o que contraria o desejo é a satisfação ao nível da necessidade, é a invasão do sexual no orgânico, é uma forma radical do sujeito afirma seu desejo de comer nada.
Finalizando, podemos afirmar que a histérica vive inevitavelmente num estado latente de insatisfação, uma insatisfação que não se restringe unicamente ao registro sexual, mas que se estende para totalidade da vida, e que geralmente isto é feito de maneira dolorosa e sofrida. No entanto, a despeito desse sofrimento, a histérica agarra-se à sua insatisfação, porque esta lhe garante a inviolabilidade fundamental de seu ser. Quando mais insatisfeita ela é, mais protegida das ameaça de um gozo que para ela pode ser um risco de desintegração e loucura.
(Regina Fernandes)


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